Dois bichanos se encontraram
Sobre uma trapeira um dia:
(Creio que não foi no tempo
da amorosa gritaria).
De um deles todo o conchego
Era dormir no borralho;
O outro em leito de senhora
Tinha mimoso agasalho.
Ao primeiro o dono humilde
Espinhas apenas dava;
Com esquisitos manjares
O segundo se engordava.
Miou, e lambeu-o aquele
Por o ver da sua casta;
Eis que o brutinho orgulhoso
De si com desdém o afasta.
Aguda unha vibrando
Lhe diz: "Gato vil e pobre,
Tens semelhante ousadia
comigo, opulento, e nobre?
Cuidas que sou como tu?
Asneirão, quanto te enganas!
Entendes que me sustento
De espinhas, ou barbatanas?
Logro tudo o que desejo,
Dão-me de comer na mão;
Tu lazeras, e dormimos
Eu na cama, e tu no chão.
Poderás dizer-me a isto
que nunca te conheci;
Mas para ver que não minto
Basta-me olhar para ti."
"Ui! (responde-lhe o gatorro,
Mostrando um ar de estranheza)
És mais que eu? Que distinção
pôs em nós a Natureza?
Tens mais valor? Eis aqui
a ocasião de o provar."
"Nada (acode o cavalheiro)
Eu não costumo brigar."
"Então (torna-lhe enfadado
o nosso vilão ruim)
Se tu não és mais valente,
em que és sup'rior a mim?
Tu não mias?" - "Mio." - "E sentes
gosto em pilhar algum rato?"
"Sim." - "E o comes?" - "Oh! se como!..."
"Logo não passa de um gato.
Abate, pois esse orgulho,
intratável criatura:
Não tens mais nobreza que eu;
O que tens é mais ventura."
Bocage
in BOCAGE poemas, editora Nova Fronteira S/A, 1987
Xuxa
Monday, February 25, 2008
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2 comments:
Uma bela lição de igualdade,amiguinha.
Frederico.
Soberbo! Só o mesmo o Bocage e a sua especial sensibilidade. E aposto que ele se revia no gato da rua. Simplesmente adorei
Anúbis
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